O olhar perdido de Teresa Chivera a leva a pensar nos últimos dias de sua vida... A perda de mais um filho. A morte de seu marido, em um trágico acidente. A suspeita... O almoço desastroso de sábado para a família do marido. A missa de sétimo dia... Que coisa triste foi aquilo, pensava Teresa. Todos chorando de maneira tão exagerada que beirava o caricato. Por sorte Teresa teve a visita de sua Tia Stella para alerta-la sobre o que a vida reserva. Mas o pior e o que mai entristece Teresa, é uma mancha incrustada em seu coração... Uma raiva e uma inveja que Teresa não suporta sentir. Um ódio por não ser capaz de controlar certas coisas nesta vida a ponto de perceber que o dinheiro por mais que possa comprar quase tudo neste mundo, não é capaz de comprar o que ela mais desejava. Teresa é tirada de seus pensamentos com Laura chamando por ela.
-Dna.Teresa, acho que é aquele homem ali!
Teresa olhava na direção que Laura apontava, um homem trajando um paletó azul amassado com uma gravata de nó terrivelmente laçado, segurava um pedaço de papel escrito: “Dona Tereza”! Teresa se levanta da cadeira, enquanto Laura se vira com as malas de ambas, Teresa se aproxima do homem.
-Sr.Everaldo?!
-Sim! Eu mesmo... -É a Dna.Tereza?
-É Tereza com “s”.
-Hã?! Cuméquié?!
-Nada. -Está é Laura, ela está me acompanhando, poderia ajuda-la com as malas?
-Ah claro, claro! -O carro tá loguim ali.
O homem rapidamente pegava as malas e ia na frente mostrando a saída do Aeroporto Internacional de Maceió enquanto falava algumas coisas que Teresa pouco dava importância. O carro era uma Brasília Vermelha desbotada. Enquanto Everaldo colocava as malas no Porta malas, Teresa sentia o calor insuportável daquele lugar aguardando que o rapaz abrisse a porta para ela, mas isto infelizmente não aconteceu e Teresa se viu obrigada a abrir a porta por sua própria conta e risco. Ela e Laura se ajeitavam no banco traseiro enquanto Everaldo dava a partida naquele carro barulhento e fétido para seus padrões. Como foi solicitado por Tereza, Cezar havia modificado o cronograma da viagem. Deste modo, Everaldo seguia para um Hotel de Luxo que ficava em Maceió falando sem parar sobre os pontos turísticos da cidade. Ao chegarem no hotel, Laura e Teresa rapidamente desciam enquanto Everaldo tirava as malas do carro... Um concierge os aguardava na entrada, rapidamente recepcionando-as. Antes que entrasse, Teresa volta atrás e vai até Everaldo.
-Sr.Everaldo, me responda uma coisa!
-Não se avexe Dna.Teresa, pode preguntá!
-O Ricardo... O Dr.Ricardo, porque ele contratou o senhor?
O homem tirava a boina da cabeça coçando a careca enquanto tentava puxar do fundo das recordações uma resposta.
-Sabe cuméquié né dona, o sinhozim Ricardo prezava muito... Ele num gustava nada de que ficassem pastoriando ele, sabe? -Tem muita genti zoio gordo por estas bandas...
Apesar de Teresa não compreender muito do que ele falava, por causa do sotaque arrastado, ela se esforçava para juntar algumas palavras e coloca-las na ordem correta e assim tirar alguma explicação do que foi dito. Realmente Ricardo prezava sua privacidade.
-Então você sempre o levava para... Para... Como é mesmo o nome...?
-Taquarana?
-Isto... Taquarana.
-Vixi, o dotorzim botava pra moer praquelas bandas!
-Fazia o que?!
-Filiz Dna.Teresa, ele se alegrava muito quando ia pralá.
-E você poderia me levar até lá?
-Hoje!
-Eita! -Ta certo... Qui horas Dna.Teresa?
Teresa olhava o relógio no pulso e em seguida sorria para Everaldo.
-Daqui a uma hora, pode ser?
-Eita!
-A genti vai ter que meter o pé na carreira, mais inda vamu chegar di noitinha praquelas bandas de lá.
-Não tem problema. -Vejo o senhor daqui à uma hora.
Everaldo acena com a cabeça e Teresa se dirige para dentro do hall do hotel... Laura fica pasma com o luxo do lugar enquanto Teresa se dirigia para o balcão de atendimento a fim de fazer o check-in, sendo recebida como uma pessoa muito importante. As duas são rapidamente levadas a uma suíte de luxo... Laura como sempre entra espantada com o tamanho do lugar... Uma camareira está à disposição de Teresa enquanto o gerente mostra a suíte para a sua hospede. Ao final de tudo, Laura acompanha o gerente até a porta ainda tentando digerir todo aquele luxo exagerado.
-Laura, pode vir aqui?
Falava Teresa enquanto olhava o mar pela janela de seu quarto, uma vista simplesmente deslumbrante.
-Dna.Teresa?
-Terei que sair daqui a pouco. -Chame a camareira e ajude ela a guardar minhas roupas e você...
-Eu posso acompanha-la se quiser, não tem problema nenhum...
-Prefiro ir sozinha Laura.
-Mas aquele homem é...
-O Everaldo é de confiança. -O Ricardo confiava nele plenamente, tenho certeza que eu posso fazer o mesmo. -Você pode pedir o que quiser aqui no quarto ou descer para o restaurante, escolha o
que for melhor para você. -Não me espere, não sei que horas irei voltar. -Vou tomar um banho e vou sair em seguida.
Por mais que uma parte de Laura não tenha gostado de ser deixada para trás, a outra parte dela estava esfuziante por estar numa suíte de luxo podendo pedir todas as regalias que aquele hotel oferecia... Um de seus sonhos estava sendo realizado naquele momento. ...
No horário combinado, Teresa já aguardava a Brasília de Everaldo parar na porta do hotel. Ela descia as escadarias e um manobrista abria a porta para ela, Teresa desta vez não fazia distinção e se sentava no banco da frente... De óculos escuros e um vestido de pano leve ela se ajeita desconfortavelmente no carro ajeitando o largo chapéu para se proteger do sol. Everaldo olha para ela estranhando-a...
-Oxe Dna.Teresa, eu to todo malamanhado...
-O que?
Everaldo dava um riso esganiçado por Teresa não compreender alguns dialetos alagoanos.
-É mar vistido Dona... To todo mar vistido!
-Mal Vestido?!
-Iiiisso Dona Teresa!
Teresa o olhava, meio assustada e encabulada, mas não perdia o foco.
-Você conhece Taqua... Taque...?
-Taquarana dona Teresa. -Oh si num conheço... Cidadizinha mindinhaaquela, mas muito carismática! -Si home marmanjo quer diversão é só i pralá.
Enquanto Everaldo dirige, Teresa fica observando as travessas de Maceió e com um olhar perdido, ela pensa se esta fazendo o que é certo. Duvidar de Ricardo, mesmo depois dele não estar mais entre nós. Ela fecha os olhos e pensa em Ana... Sua cozinheira, no fundo da igreja, de pé, segurando uma rosa na Missa de Sétimo Dia. Provavelmente foi Clarice quem pediu para a mãe comparecer. Teresa respira fundo e volta para o presente, ela olha para o pobre Everaldo que fala sem parar sobre as maravilhas e muitas aventuras de sua vida sofrida, se ele perguntar alguma coisa, Teresa não saberia responder nem ao menos uma.
-Você conhece algum lugar bacana por aqui perto?
Everaldo olha meio assustado para Teresa duvidando do que Teresa realmente quer dele.
-Oxe Dona madame, a senhora num qué mais subir pras bandas de Taquarana?
-Hoje não Sr.Everaldo. -E então, conhece?
-Ixi Dona madame, num conheço coisa chique não!
-Para beber uma cachaça Everaldo, não precisa ser um lugar chique.
-Isso é verdade Dona Teresa!
Ambos sorriem um para o outro e Everaldo toma outro rumo indo para um barzinho na beira da praia. Teresa não se imaginava nunca sentada numa mesa de bar tomando uma bebida alcoólica com um completo desconhecido. Obviamente Everaldo não se faz de rogado pedindo uma “branquinha”, Teresa para não fazer desfeita pede uma cerveja e se vê obrigada a beber num copo americano.
-Meu pai se reviraria no tumulo se me visse aqui!
-Oi?!
-Nada Seu Everaldo! -Toma sua 51...
-Saúde dona Teresa! Saúde!
-O que eu estou fazendo?
Resmungava Teresa enquanto bebia um gole de sua cerveja fazendo uma cara de que pouco apreciou aquela bebida. Mas depois de ter tomado o primeiro copo, ela já se via na segunda garrafa de cerveja acompanhada por Everaldo e até mesmo balançando os ombros ao som de um forro ao vivo no cair da noite. Aquilo era diversão em um nível que Teresa nunca se imaginou... Não em menos de um dia após a Missa de Ricardo... O que ela estava fazendo? Afogando as magoas na bebida? Ou tentando fugir delas e das futuras que poderiam surgir em sua vida? Quando a quarta garrafa chegou, Teresa começava a chorar... Everaldo servia como um ombro amigo. E tão logo tirava Teresa e a levava para o seu carro, colocando-a no banco de trás... Teresa estava visivelmente bêbada! Everaldo ligava o carro e então passou a girar pela orla até que uma freada brusca fez Teresa despertar de certa maneira. Ela olhava para a janela e uma mãozinha aberta com as unhas todas sujas pedindo alguma esmola... Uma vozinha suave e cheia de medo...
-Moço...?
Enquanto Everaldo caçava uma moeda qualquer perdida em seus bolsos, Teresa ia se levantando aos poucos até encontrar aqueles olhinhos lacrimejados onde Teresa enxergava medo e tristeza... Era uma criança que se equilibrava na ponta dos pés enquanto mantinha a mão estendida. Teresa não conseguia piscar os olhos ao ver aquela menina, suja e mal cuidada pedindo dinheiro para aquele homem. Everaldo deposita uma misera moedinha na palma da mão da menina, ela por sua vez olha para Teresa, assustada a menina sai correndo... Teresa tenta se recompor, seguindo a menina com os olhos enquanto se apressa a sair do carro... Everaldo faz o mesmo sem entender o que está acontecendo. Teresa sai correndo em meio aos carros da avenida movimentada atrás daquela menina.
-EI! MENINA?! ESPERA! ESPERA!
A menina descalça e suja, entra em um beco, onde bem no fundo uma fogueira está acesa, algumas pessoas maltrapilhas estão reunidas, bebendo, se drogando, rindo, brigando. Teresa encara aquilo de maneira transformadora enquanto se aproxima devagar... Everaldo segura o braço de Teresa.
-Dona madame, faiz essa doideira não!
O coração de Teresa parecia explodir ao encarar Everaldo, ela respirava ofegante, seus olhos pareciam querer saltar das orbitas e ela sentia uma sede violenta na garganta. Ao voltar os olhos para onde o grupo de mendigos está, ela via a cena derradeira... A criança sendo empurrada por adultos, a menina caia numa poça de mijo e os mais velhos tiravam dela a pouca esmola que ela havia conseguido, rindo e deixando ela a própria sorte que não tinha... Teresa se soltava de Everaldo e corria na direção da menina, agachando e tirando ela daquela poça nojenta. As duas se entreolhavam em silencio... Por de trás de toda aquela sujeira Teresa via uma menina linda. Inocentemente a menina abraçava Teresa, que permanecia sem reação... O abraço quebrava as defesas de Teresa e aos poucos ela também abraçava aquela pobre menina, meio sem jeito. E por algum motivo divino, um alivio entrava em seu coração... E então um sorriso verdadeiro brotava nos lábios de Teresa. Uma felicidade que ela não sentia há muito tempo!
Esse encontro da Tereza com a Mariana foi muito emocionante, a cena foi ótima, senti um impacto, acho que Espelhos com esse encontro realmente " começou".