A Dama de Gelo || Capítulo 05

No capítulo anterior... “Ela estava se esforçando, querendo ser simpática e tudo mais. Tão bonita, tão elegante e perdendo o seu tempo escasso com um lixo... Até onde ela queria chegar?”

- Juan! – respondi desconfiado.

- Hahaha. Sinto-me lisonjeada de estar conversando com um cara que possui o mesmo nome do excelentíssimo senhor Rei da Espanha... Juan de España! Hahaha!!!

Seu riso era cativante e seu astral gracioso. Acredito que tenha sido por isso que me obriguei a lhe devolver um meio sorriso, mesmo que todo torto por conta do frio que eu havia passado há algumas horas atrás.

- Que bom, tu também sabe sorrir além de ficar reclamando!

Aproveitando-me de sua espontaneidade, perguntei o porquê de ela estar ali naquele momento.

- Por que tu resolveste me tirar daquele lago?

Ela desmanchou seu sorriso e ajeitou o cabelo fino e louro atrás da orelha.

- Juan. – disse pausadamente. – Se tu aceitar minha ajuda, vamos ter tempo suficiente para esclarecer o porquê das minhas atitudes, se é que tu vais conseguir entendê-las.

- Eu não preciso de ajuda, estou bem. Vou voltar pra minha vida, amanhã quem sabe volto até pro meu trabalho pra esclarecer as coisas... – desta vez ela me interrompeu.

- Este é um bom sinal, ao menos não estás pensando em se matar novamente. É um bom recomeço!

Não havia pensado naquilo como um recomeço e sim como uma prolongação das minhas atitudes e experiências inúteis. Mesmo assim, me esforcei pra esboçar o mínimo de otimismo possível.

- Então, sabes se vou poder sair daqui cedo?

- Se tu parar de tratar os médicos mal e aceitar marcar consultas comigo, na minha clínica, poderás ir embora amanhã mesmo. E se não puder eu dou um jeito, não te preocupa!

- Tu ainda não entendeste que eu não preciso de uma psicóloga, nem psiquiatra nem nada destas porras todas né?

- E tu pelo visto não entendeu que se tu não iniciar um tratamento comigo amanhã mesmo terá que ficar mais tempo neste hospital! Ou entendeu?

O que ela dizia era verídico. Como os médicos dariam alta para um cara que tentara se matar a horas atrás? Sua intenção era completamente duvidosa, mas de fato ao menos eu estaria livre daquele hospital. Hospitais nunca representam coisas boas, exceto o nascimento de crianças e cirurgias milagrosas. Não havia me deparado com nenhuma destas felicidades, então preferia sair dali de uma vez.

Lisppet sentou-se do meu lado e segurou minha mão direita.

- Vai dar tudo certo, independentemente do que tu tenha passado!

Minha dúvida naquela hora era se a Dama de Gelo de fato sabia o que eu havia passado. De imediato me vieram as lembranças mais tristes que já passei na vida e voltei a fechar a cara. Ela notou. E se esquivou. E resolveu sair dali.

- Juan, já passou da meia noite e eu tenho uma festa pra ir, não posso me atrasar. – disse ela naturalmente. – Aproveita pra descansar e amanhã, depois que eu acordar é óbvio, eu venho aqui pra conversar com os médicos sobre a tua liberação do hospital. Nem adianta ser ranzinza porque não serás liberado antes disto!

Delicadamente ela foi se afastando e me deu um aceno de ‘hasta pronto’. Antes de fechar a porta falou baixinho, quase sussurrando:

- Feliz dia dos Reis! Rei Juan!

Do meu lado tinha um calendário e pude entender do que ela estava falando. Já havia passado da meia noite, era dia 06 de janeiro. Nunca fui adepto ao significado de feriados e estas coisas todas, mas El dia de lós reyes sempre fora a única data que me empolgara. Todo ano, até eu completar meus 15 anos, meu pai me obrigava a escrever uma carta aos Reis Magos, pedindo para que eles trouxessem felicidade para o nosso lar. Era incrível como ele sempre pensava no indispensável e nunca se enganava em suas conspirações. Depois dos 15, passei a escrevê-las por conta própria, mas esta façanha durou apenas mais 3 anos. Até a morte de meu pai em 2009, pra ser mais preciso.

Eu tenho certeza que eu só escrevia porque ele me incentivava, se não eu sequer gostaria desta data. Se ao menos ele não tivesse me deixado, se estivesse ali pedindo para que eu escrevesse mais uma carta... Certamente não negaria como cansei de fazer há anos atrás...
Minha cabeça já estava doendo bem menos do que antes, mas meus lábios ainda estavam inchados e rachados. Sentia calafrios de vez em quando, mas à parte destes pequenos sintomas, sentia-me sadio. Sadio e solitário.

A enfermeira me trouxe um iogurte e depois disto assisti um pouco de televisão, mesmo que fosse só para passar o tempo. Precisava sair daquele baixo astral, seguir com a minha vida e pensar no que faria dali pra frente. O mais estranho e surpreendente era que o único momento em que eu não pensava nos desastres e atrocidades ocorridas comigo era quando ela estava por perto.

Não via a hora de ela chegar, só para que eu pudesse sair dali rapidamente. As paredes acinzentadas, as cortinas brancas, o pijama e os móveis igualmente brancos já estavam me deixando sufocado. Extremamente sufocado.

Olhei para o relógio e os ponteiros resolveram marcar míseras 12 horas e 08 minutos. Faltava muito tempo ainda para que a Lisppet voltasse e foi aí que me veio a sensação de abandono. De novo.

Será que ela realmente voltaria?