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 Pecado Divino || Capítulo 1 O Preço do Paraíso

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Alencar Tognon
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Idade : 29
Cidade : ...

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MensagemAssunto: Pecado Divino || Capítulo 1 O Preço do Paraíso   Pecado Divino || Capítulo 1 O Preço do Paraíso Empty03.10.13 16:21

Capítulo 1
O Preço do Paraíso
 
 
Em plena existência, o Paraíso e o Inferno se mesclam na Terra.
 
David.
Há quem diga que surgimos de uma grande explosão. Uma expansão que daria origem a toda espécie de existência. Evolução. Já eu, aprendi desde pequeno que Deus, o ser mais poderoso que possa existir, criou o Homem e a Mulher. Dois seres divinos que ao se unirem por um gesto de amor poderia dobrar a existência. Existência essa que não teria outro sentido a não ser, caminhar conforme as escrituras pregam. Ousar desviar dessa linha? Seria condenado. Eternamente.
Ditadura divina?
É evidente que todos escolheriam o reino dos céus para viver uma vida eterna quando soar as trombetas do alto anunciando a volta do Deus Supremo. Mas o que muitas pessoas insistem em não perceber é que, para atingir esse Paraíso, teríamos que viver em um perfeito inferno em vida terrena. Passar pelo fogo, pela provação.
A Vida terrena estaria no justo meio, entre o Céu e o Inferno. Não seria a toa que uma mistura desses dois itens tão antagônicos fosse encontrados em vida. Eu queria mesmo que meu coração criasse asas e voasse para bem longe, onde eu pudesse, nem se fosse por alguns segundos, viver em paz comigo mesmo, intensas aventuras, construir o MEU próprio Paraíso.
Quem diria que a minha vida, me reservaria do início ao fim, intensas emoções.
 
 
Mais um dia. E o que isso significa? Absolutamente nada. Quando andamos na rotina - rotina essa que nunca sai da rotina, mais um dia não significa nada! E não foi pleonasmo, no caso de David, não mesmo. Um Seminarista. Futuros padres não devem sair dessa linha imposta pela Igreja. Rotina, de fato definia toda a vida daquelas centenas de garoto que se preparavam para uma vida religiosa.
Maldito sino! Aquilo simbolizava segundos de tortura para todos. Levantar nos míseros quinze segundos da cama, arruma-la em três minutos e se dirigirem para o refeitório para um café-da-manhã de dez minutos. Se tivesse pecados, logo os compensaria pela manhã.
David estava mais cansado como de costume, nem se lembrava de qual foi à última noite que conseguiu dormir. O Vazio que sentia por dentro era inexplicável, sua vida parecia inverna e nebulosa. Um reflexo da cidade que vive. Corre para lavar o rosto e dar aquele despertar certeiro, precisava ter pelo menos um mínimo de coragem para enfrentar mais um longo dia que estaria pela frente.
David era um menino que chamaria atenção de qualquer garota solteira que quisesse arrumar um bom partido na cidade. Cabelos negros, olhos mestiços, pele clara como a luz do luar, um sorriso de derrubar qualquer um, e mesmo que por dentro estivesse nebuloso como a frieza do inverno, era intensamente delicado nas relações interpessoais, nunca poder-se-ia imaginar que havia tantos conflitos internos dentro daquela bem desenhada existência, que para os demais, nasceu perfeitamente para o fim que estava destinado.
Ai, que água gelada!
David viveu naquele seminário desde que se conhece por gente, e ainda não havia se acostumado com todas as torturas do dia a dia, que as viveu nos decorrer de seus 16 anos naquele local. A água naquele lugar nunca sairia quente! Não sei quantos anos a mais vou demorar em me adaptar.
Adaptar? Risadas. Eu não conheço e não vivi em outro lugar a não ser este!
“Vamos meninos, vocês já estão atrasados!”
Foi o Seu Jandiro. O inspetor mais antigo que algum seminário poderia ter. Cristão devoto, trabalha voluntariamente para o Colégio Seminarista de Santa Vitória do Sul há várias décadas, cuidou até de Cícero, que hoje é Padre diretor Geral do Seminário. Pobrezinho, tão velho, já estava prestes a não resistir mais. Jandiro acreditava que trabalhar gratuitamente, com todo o sacrifício que fazia para dar conta de todo aquele espaço era um favor divino, já que não tinha condições financeiras que comprassem a chave do céu que a igreja fornecia na época.
Eu nunca poderia imaginar que as indulgências ainda continuavam em pleno século XX, quase século XXI. Era uma vergonha! É evidente que isso não era tão explícito como no passado, mas que as indulgências continuaram, continuaram. E isso garantia ainda o grande Status católico já que os Protestantes começavam a crescer cada vez mais utilizando esses mesmo fins, mas em diferentes métodos.
Após o aviso de Jandiro, todos se dirigem para a porta formando uma vasta fila. Vasta fila só do meu quarto. Pois os outros quatorzes dormitórios também formariam filas iguais, ou até mesmo maiores. Todos os quartos dos seminários eram idênticos, espaçosos e continham cerca de dez camas de beliche espalhados ordenadamente. Entrava pouca claridade, havia apenas uma janela pequena na parte superior central do primeiro quadrante. Pareciam que todos eram presidiários, melhor dizendo. Ao lado de cada beliche continha um criado mudo que era dividido pelos dois pertences da cama. Como não poderia ter nada, o abajur era o único item do criado.
- Se comportem mais do que nunca! Hoje, receberemos a visita do Bispo Francisco Altaneiro, e não será tolerado um desvio sequer.
Coisa que toleravam em dias comuns...
Opa, o Bispo Francisco vai fazer uma visita hoje!? Justo hoje que estou caindo de sono! Que raiva!
            - Entendidos?
“Sim, senhor!” Foi o que todos responderam afirmativamente. David nem sequer entendeu direito a mensagem. Eram raras às vezes em que o Bispo saia da capital Porto Alegre, viajava quase quinhentos quilômetros para fazer visitas no Seminário. Mas, quando vinha, vinha para estourar miolos de todos. Cobrava estudos teológicos, verificava a organização do ambiente, a postura. Era horrível.
Eu não posso sentir Raiva, sou um futuro Padre!
Por mais que deveria ter a ética e seu juízo de seminarista que o ordenavam a não ter esses sentimentos hostis, seus instintos falavam mais altos. Ahh, mas todos sentem esses mesmos sentimentos, eles apenas não expressam... Claro, como eu. Na verdade, o que David sentia era Revolta. Naquela mesma noite não tinha escondido muito bem suas revistas de atualidade e seus romances de ficção. Aquilo era ligeiramente proibido no colégio, mas tudo aquilo dava um conforto especial a ele que passava madrugadas em claro com sua mente borbulhando e seu coração batendo forte por emoções e sensações que nem mesmo ele conseguia interpretar. Quem sabe um dia, eu as entenda.
Não dava mais tempo. Aquele deslize foi devastador. David sempre tinha guardado suas revistas e seus livros embaixo do criado mudo onde havia uma tábua suspensa, que claro nunca foi se queixar para as autoridades. Era lá dentro que guardava os pequenos livrinhos de resumo que conseguiu anos atrás com uma cozinheira que fora demitida por acolher outros colegas.
David já tinha perdido as contas de quantas vezes leu e releu todos eles. Romeu e Julieta, A Divina Comédia, Auto da Barca do Inferno, e... O Crime do Padre Amaro.
 Talvez, fora esses livros, onde a maioria abordava um pouco do que ouvia falar no Seminário o fez ter uma cabeça tão aberta com relação às coisas. Será que quando Eça de Queiroz escreveu O Crime do Padre Amaro ele se baseou em algum fato real? O que David ouvia dos padres era algo totalmente diferente, oposto do que as escritas do livro passavam. Padre nenhum faria aquilo, nunca! A maioria da comunidade considerava-os: ‘mensageiros de Deus’. Se a realidade condizia como Eça de Queiroz escreveu, David estava realmente em maus lençóis.
Um suor frio percorreu por todo o corpo do garoto “Rebelde”. Suou tanto que o fez tremer como uma gelatina recém-tirada da geladeira.
“Está tudo bem, David?”
David nem conseguiu ver quem tinha perguntado, provavelmente era Carlos, seu colega de beliche da parte superior, que era o único que poderia trocar ideias – algumas – naquele seminário, isso quando permitiam que era mais raro do que nunca.
Ai, meu Deus, os meus livros estão jogados dentro da gaveta do criado mudo. Como eu poderia imaginar que o Bispo apareceria justo hoje?!
Deslize que não poderia mais voltar atrás. A fila já começou a andar, entrando pelo corredor, e se David ousasse sair da linha do grupo para tentar salvar sua pele escondendo seus pertences de uma melhor forma, todos veriam. Estou frito! A não ser, que por um milagre não revistem todos os quartos.
Se uma coisa eu aprendi nessa vida é rezar. Não deu outra, David fechou seus olhos, e começou a orar seguindo o vasto corredor escuro que a fila ia. Meu Deus me proteja!
Qualquer outro colega que passaria por essa mesma situação sofreria consequências, mas logo seria expulso por “não ter o perfil que as normas do seminário regem”. Não era o fim do mundo. Mas, no caso de David Sim. David foi criado por padres, os mesmos que dirigiam aquele colégio seminarista. Portanto, sua única família foram eles e seus colegas que mal trocavam um ‘Bom Dia’. Diferente de todos eles, sua vida inteira se resumiu aquele espaço religioso, e descobrirem revistas de atualidades e romances realistas de autores que enfrentaram a Igreja Católica no final dos anos de 1800, no meio de seus pertences, seria o fim!
Todos seguem o extenso corredor escuro iluminado apenas por uma pouca luz que saia do céu da nova manhã que acabara de se formar. As batidas dos sapatos dos alunos lembravam soldados em plena marcha de guerra, mas aquilo demorou apenas um minuto, logo a esquerda do término do corredor, estendeu-se um imenso refeitório com várias mesas de pedras e pilares de madeira que serviam de banco de acento. Em frente a todos os acentos seminaristas, havia um pequeno altar com uma mesa servida com um café da manhã de deuses. Área restrita de padres. Taças de vinho, pães importados diretamente da Itália. Era de revoltar qualquer um que estudava no lugar, mas David exclusivamente só conseguia pensar em uma coisa: Tomara que o Bispo falte, tomara que tenha acontecido alguma coisa que o não deixou vir. A essa altura David já havia rezado dezenas de ‘ave-marias’.
Serviram-se, os poucos biscoitos e um copo de leite quente que era o máximo que um café da manhã de lá oferecia. David pode perceber suas mãos trêmulas, ao ver o leite se remexendo na caneca freneticamente. Passou os olhos pelo altar rapidamente para não dar muito na cara sua preocupação; Embora não tenha adiantado. O Padre Cícero, situado ao centro da mesa o conhecia mais do que ninguém, foi o que mais representou a figura paterna na vida do garoto. E tinha convicção de algo estava fora do lugar.
Sinal do garfo em taça. Tim tim tim. Já tinham pouco tempo para tomar café, e ainda os padres querem dar um comunicado!? Sacanagem. Era lei, o garfo foi batido três vezes na taça, todos param e dirigem suas cabeças ao altar. Momento tenso. Aquilo acontecia geralmente por atraso de mensalidades de alguém, culpa dos pais, e aquilo era anunciado abertamente para todos.
- Atenção! Espero que seja impressão minha que algo não esta muito bem por aqui.
 Virou Vidente?
- Hoje o nosso Reverendo Bispo Francisco Altaneiro estará presente, para celebrar uma missa na catedral do município.
Ufa, que alívio, ele não vai supervisionar o seminário!
            - Mas, antes ele vai supervisionar tudo e todos nesse seminário... Então, espero que nada esteja fora do lugar, caso contrário, isso será dado como um pecado mortal entre todos nós.
Aff. Alegria de seminarista dura pouco. Não acredito, estou frito!
Após Padre Cícero soar a última batida de garfo na taça de cristal – que significava o fim do comunicado – dirigiu seu olhar para David. O senhor de quase sessenta anos de idade parecia de fato adivinhar as cosias. Sem saber o que fazer, David responde da melhor maneira que soube tentando parecer natural, embora soubesse que não adiantaria nada, uma vez lidando com o conhecido Padre Cícero. Voltou seu olhar para a caneca trêmula que não parava devido seu braço bobo.
Sem escapatória, David já começava a se preparar psicologicamente pelo que estava por vir.
 
 
 
Marlow.
“Diz à lenda que quando não conseguimos dormir, é porque estamos despertos
nos sonhos de alguém”.
 
O chão estava lotado de roupas sujas, na mesinha de centro da sala várias garrafas vazias de bebida alcóolica. O mau cheiro de cigarro pairava por todo o ar. Insetos mortos por toda parte. E poderia formar uma montanha de pó só nos móveis da sala. No sofá de três acentos, quatro pessoas embriagadas parecendo estar em coma, permaneciam como se tivessem atacados seus corpos em cima do outro. No outro menor, estava um bonito rapaz cabeludo, destaque da década de 90, adormecido com metade de seu corpo inferior caído sobre o chão gelado. Nem mesmo isso o fez acordar.
Seus braços estavam entrelaçados com o de uma elegante mulher ‘socialite’. O corpo da coroa estava quase despido por completo. O seio direito estava totalmente a mostra enquanto o esquerdo tapava o que ainda o sutiã conseguia. Com o restante do corpo pelada, e ligeiramente desconfortável no sofá, ela acorda gesticulando pouco. Com dificuldade para ver tudo ao redor, caiu em si de onde estava e com um despertar reluzente procura por seu celular por alguns segundos e o encontra no chão, perto do corpo de seu companheiro de sofá. O remexeu e mesmo assim não o acordou.
Meu Deus, já é quase meio-dia!
Marilu jamais imaginaria que iria cair no sono bem naquele lugar, e justo com ele. Seu amante de aluguel. Nome de luxo que arrumou para parecer menos pesado enquanto contratava um garoto de programa para ter o que não conseguia em casa.
- Acorde Marlow. Marlow, eu tenho que ir.
Falava Marilu vestindo-se o mais rápido possível. Primeiro o sutiã que já estava meio caminho andando e sua calça, pois não havia achado sua calcinha que deveria estar perdida no meio de tanto lixo no chão.
Marlow com dificuldade e logo esfregando o olho, despertado por sua cliente principal, tenta compreender as últimas palavras. Sem sucesso, implora.
- Marilu, vamos dormir mais um pouquinho, não faz nem três horas que caímos no sono.
- Marlow, já é quase meio-dia! Meu marido deve estar uma fera!
- Ele é um homem de negócios, nem deve ter percebido que você não dormiu em casa.
Marlow a essa altura já se levantou e vestia sua camiseta, pois seu short esportivo permaneceria pelo resto do dia. Aquilo era um atrativo e tanto para as mulheres que compravam seu serviço, cochas grossas e bem torneadas, agradava principalmente coroas da alta sociedade como a que estava em sua frente naquele momento.
- Você não conhece meu marido. Rodolfo é um possessivo, se sonhar imaginar que estou traindo, ele pode me matar e ainda mais TE matar também, seu cretino.
- Ele nunca vai descobrir minha cobrinha. – Fala Marlow com seu olhar provocativo. Deixava o olho esquerdo fissurado e o outro piscava com o mesmo ritmo quente, aquilo deixava Marilu louca, e ele soube usar essa artimanha muito bem ao longo dos meses que ela passou a utilizar seus serviços com regularidade.
Marlow era jovem e uma aparência que parava qualquer mulher. Corpo definido, olhos verdes e cabelos negros longos bem hidratados, seu sorriso iluminava qualquer vida nebulosa. Cara de safado quando precisava, e uma postura de rei da selva que garantia qualquer mulher sentir-se protegida por um homenzarrão daqueles. Qualquer um com um perfil destes diria que clientes para Marlow, não faltava. Equívoco. Marlow estava em uma fase totalmente difícil, há anos trabalhava com a mesma coisa e isso o fazia cada vez mais perder seu valor. A imagem de objeto sexual era a única que o definia, e clientes? Marilu era a única certa, pelo menos duas vezes por mês. Vontade de seu público alvo para utilizar seus serviços não faltava, mas o grande preconceito da sociedade com relação aquilo freava qualquer mulher que estava doida para cair nos braços de Marlow, mesmo que tivesse que pagar – pouco, mas tinha que pagar.
Marilu deixa a casa colocando duas notas de vinte reais sobre um criado mudo que continha um telefone velho. O Real na época acabara de ser lançado depois da queda do cruzeiro real, e ter duas notas novinhas daquelas era um orgulho. Marilu se retira mandando um beijo provocante pela porta antes de sair, e assim Marlow corre para sacar as notas. As cheirou freneticamente, aquilo garantia um pouco do seu sustento e a permanência de sua vaidade – propaganda principal de sua profissão.
Como de costume, uma onda de tristeza passou por sua alma em desordem. Era tantos motivos que o faziam ter essa imagem, por mais que fingisse felicidade para a sociedade, no fundo Marlow sentia que estava mentindo não só para os outros, como a si mesmo.
Os olhos de Marlow rolaram cenas que jamais se esqueceria na vida.
Marlow era uma criança muito feliz nas secas do nordeste, brincavam com os vizinhos com o pé descalço na terra quente e injustiçada do Brasil. A tristeza e a escassez de comida, por momentos eram esquecidas nas brincadeiras que faziam. A sua inocência foi perdida quando um homem muito bem vestido apareceu por lá prometendo uma melhor vida aos filhos da mãe de Marlow. A iludiu completamente, Dona Maria das Dores acreditou como um patinho, ainda mais quando viu a bíblia nas mãos do elegante rapaz.
Deve ser um padre.
Ele trouxe consigo várias garrafas de Coca-Cola, e é evidente que assim já havia conquistado todas as crianças por ali. Não restou outra, levou com ele Marlow de seis anos, e Ana Carla de apenas cinco. (Batizados com outros nomes na época, que o tempo fez questão de esquecer). A promessa de transformá-los em estudantes de Direito e Medicina fizeram os olhos de Maria das Dores vibrarem de felicidade. Obrigado, Meu Deus por trazer esse Anjo em nossa Vida! Aquela era a única forma de transformar a vida injustiçada de seus filhos para uma coisa melhor, e por mais que lhe doía, os deixou ir com o suposto padre.
Para nunca mais voltar.
 
Marlow a essa altura já chorava mundos. Como poderíamos cair nesse tipo de promessa? A escola de qualidade que o padre prometeu, na verdade, era uma espécie de Bordel no interior do Rio Grande do Sul, lugar que jamais alguém suspeitaria. Principalmente, os responsáveis por tamanha crueldade.
Agora, Marlow sabia que boa parte daquele dinheiro que recebeu da coroa que adorava seu serviço seria para os responsáveis de quem acabou com sua vida.
Miseráveis!
O duro era que Marlow não teria aonde se quer trabalhar. Sua imagem já estava destruída em uma sociedade levada pelo preconceito, e a única maneira de ter o pão de cada dia era fazendo aquilo. Dançando como a banda toca.
Portanto, aguardava ansiosamente o seu celular tocar. Tinha ciência de que aquilo era quase impossível, mas tinha fé para pelo menos mais um programa no dia. Precisava de dinheiro. Mais tarde, teria missa com o Bispo da região, coisa que não acontecia há muito tempo, e assim a cidade iria parar. Se já era difícil conseguir clientes uma hora daquelas, no horário de missa, então seria impossível.
Se todos soubessem o que rola por trás daquela igreja, ninguém nunca mais pisaria os pés naquilo.
 
 
 
David.
“Perdoai as nossas ofensas assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido.
E não nos deixei cair em tentação, mas livrai-nos de todo mal. Amém.”
 
 
Me livrai-me do mal. Amém.
Essa foi à fala um pouco modificada de David ao cantarem o último ‘pai nosso’ do terço.
Todos os seminaristas ajoelhados em frente ao enorme crucifixo – cruz- símbolo do amor de Cristo, rezavam o terço como todo santo dia naquele lugar. Aquilo já tinha virado mecânico, falar de coração as dezenas de vezes aquela oração, dificilmente acontecia. Mas, dessa vez David nunca teria rezado com tanta fé. O Bispo já havia chegado e um grande número de pessoas esteve ao lado de fora do colégio para receber o símbolo maior da Religião daquela região gaúcha. Porém, os horários do seminário não podiam ser quebrados e àquela hora era certa de oração de um terço, para só assim iniciar as aulas do ensino médio.
O Bispo já averiguava o local com seu olhar minucioso.
Cristo tenha piedade de mim.
David, apesar de adorar ler seus romances que desafiavam a igreja católica, sabia que estava errado mantê-los escondidos e principalmente fazer a leitura. Na verdade, tinha ciência de que era algo pecador, pois aprendeu isso desde pequeno, uma vez que foi criado por Padre Cícero e os demais da cidade, fervorosos no que faziam. Agora lhe restava um grande milagre para salvar sua pele.
A essa altura, todos da cidade estavam elétricos da missa que aconteceria horas adiantes. Afinal, eram raras as vindas do bispo para cidade, e quando vinha, era como se Jesus tivesse descido as terras e orasse por todos. Ou seja, ao invés de horas de estudo da matéria dada durante o dia, eles teriam uma missa especial, e finalmente David veria rostos diferentes daqueles que sempre estavam presentes em seu dia a dia no seminário.
Óh meu Deus, ele esta chegando perto do meu quarto.
Já era, perdeu. A não ser...
Como um ato reflexo e momentâneo que surgiu a mente de David, ele cai ao chão fingindo estar desmaiado. A gritaria é certeira.
O Bispo, prestes a entrar no quarto onde o ‘pecador’ residia, se vira devido ao tumulto, porém permanecendo intacto onde estava.
Os colegas de David estavam tão envoltos de seu corpo que quase desmaiou de fato, o calor abafado de todos envoltos juntamente com as vestimentas que só não tapavam suas cabeças por questões do senso comum, sufocaria qualquer um. Porém havia os abanos das mãos de quatro colegas que o socorreram de imediato, e aquilo o fez ter uma melhor ventilação do que do próprio teto do colégio.
O olhar de desconfiança do Bispo simbolizava pura vingança. Que medo! Com um simples gesto na mão, Padre Cícero corre a sua volta para atendê-lo.
- O que deseja Reverência? – Perguntou prontamente padre Cícero ignorando seu filho do coração por alguns instantes, embora estivesse preocupado com a estadia do garoto.
- Acorde esse garoto e o leve até a sala da secretaria.
Sem mais, Francisco adentra o quarto de David e Padre Cícero corre prontamente para atendê-lo. Será que ele esta desconfiado do desmaio de David? Só pode. O olhar dele não era dos bons.
Ao chegar perto do tumulto, de cara Cícero percebera a farsa de David. Desmaio era uma coisa totalmente diferente e aquilo não passava de uma encenação barata. Com sinais de autoridade nas mãos, todos se afastaram para que ele chegasse perto do garoto. Padre Cícero com uma voz autônoma em tom leve ordena com palavras decepcionadas.
- Levante David, se não sua pena será ainda maior.
Dois segundos, David estava de pé. Suas suspeitas de que Padre Cícero era Vidente teria sido constatada se não tivesse atuado tão mal. Também, como um corpo iria continuar trêmulo mesmo depois de desmaio?
Ó estou frito, por que não nasci em Hollywood para pelo menos atuar melhor?
Os olhares de seus colegas eram perturbadores. Só um doido ousaria encenar daquela maneira fazendo todos de trouxa. Doido apenas por fingir desmaio, imaginem o que diriam se eles soubessem o que esse mesmo doido escondia em seu criado mudo? ... De qualquer forma, todos seus colegas iriam saber. Bispo Francisco há essa altura já teria pego todas suas revistas e livros, uma vez explícito no criado mudo de David.
Levado pelas mãos do Padre Cícero que não murmurou mais uma palavra sequer, os dois atravessaram parte do corredor sombrio passando por duas portas e logo pararam em frente a entrada do pesadelo, seu próprio quarto, onde o Bispo Francisco o aguardava já com os livros em mãos.
Como eu queria desmaiar de verdade neste exato momento e acordar somente daqui uma década.
David queria morrer. E parecia que se isso não acontecesse naturalmente o Bispo iria transformar em fato sem nenhum problema. Seus olhos eram cruciais.
Padre Cícero, incrédulo com os livros que David possuía, nem sequer conseguiu responder a seguinte pergunta do Bispo.
- Como um seminarista criado desde bebê por vocês Padres permitira-o obter esse tipo de pertence?
Francisco balançava bruscamente os livros e as revistas em suas mãos. O que mais o deixava pasmo era que a maioria dos livros que David possuía era específico de ameaçar o poder da Igreja Católica na época. E quem os integrou, com certeza era um traidor que passou por aquele local.
David tremia temendo o que lhe poderia acontecer em seguida, tanto que nem conseguiu ouvir as palavras que o Bispo trocou com o Padre Cícero em seguida. Sem exatidão, o padre foi guiando David até a última porta do segundo corredor à esquerda. Secretaria.
Sozinhos, Padre Cícero agauchou-se para que seu rosto ficasse frente a frente com o de David.
- Eu implorei tanto para você não nos decepcionar, e olha o que você aprontou!
- Perdão, padre.
- Perdão, meu filho? É só isso que você tem a dizer?
David não conseguiu responder.
- Eu espero que você tenha se arrependido de coração. E agora, não me resta outra coisa do que fazer o que o Reverendo Bispo Francisco ordenou como castigo para ti.
A curiosidade e o medo se entrelaçam no peito de David. Até que a primeira lhe foi sanada.
Padre Cícero pega um pequeno pote cilíndrico situado na primeira prateleira de vidro da sala, abriu e atacou medindo mentalmente a quantidade exata. Eram grãos de milhos. Quem nunca ajoelhou não sabe o quanto dói.
- Ajoelhe-se nos milhos, David. Comece a rezar.
Um terço é entregue nas mãos do garoto que, calado e cabisbaixo, obedeceu às ordens. Ajoelha-se sentindo a primeira pontada de dor, e começa a rezar alto em um tom possível para que o padre pudesse ouvir.
Após duas bolinhas de oração, sua voz pareceu sumir em tom seco com a porta se abrindo brutalmente anunciando a entrada do Reverendo Bispo. Apesar de ele até então não fazer nada, apenas com um olhar ele já sabia que veria coisa pior.
- Pegue a água Benta, padre Cícero. – Fala o Bispo enquanto jogava um a um os livros capturados de David na lareira situada na mesma sala.
Se tivesse mais castigos, aquele já tinha sido pior. David viu se transformando em cinzas o que lhe serviu de conforto por anos naquele lugar nebuloso que esteve durante toda sua vida. Por que será que Deus detesta tanto essas magníficas obras? Pensou David em profunda tristeza. Era como se tivessem levado um pedaço de sua alma.
- Espero que tenha ciência da culpa que você carrega dentro de você por ter caído na tentação do pecado.
- Sim, reverência. – Continuou David de cabeça baixa rezando.
Com a água benta em mãos, uma profecia se inicia. David, não acreditava! Já tinha visto isso acontecer mais algumas vezes no seminário, mas achava que para aquilo ocorrer de fato, teria de ter, verdadeiramente um demônio dentro de si. Mas, ele não tinha! Bom, pelo menos até onde sabia.
Era um exorcismo.
Com as mãos grosas do Bispo sob sua cabeça, palavras esquisitas que jamais ouviu soaram alto naquele lugar. Provavelmente todos seus colegas estariam ouvindo aquela vergonha.
David sentiu uma onda de calor de fúria dentro de seu peito, por aquilo e tudo o resto que aconteceu momentos antes. Não deu outra, solta um grito lancinante, o maior que dera em toda sua vida. E quanto mais mexia sua cabeça, mais ele gritava. Os gritos confortaram um pouco todas as dores que estava sentindo, tanto física, quanto emocional.
Era evidente que toda aquela cena faria qualquer um acreditar que ele estava possuído por demônios, mas aquilo não passava de uma liberação de revoltas, de angústias e vontade de sumir guardadas por tanto tempo. Logo encerrou. Lágrimas rolavam sem parar pelo seu rosto, lágrimas essas que se misturaram com a água benta que fora atacada por todo seu corpo durante a cerimônia.
- Pronto, David, agora você está liberto. Como um futuro padre, Nada, nenhuma tentação, nenhum pecado pode lhe dominar.
Francisco falava com voz firme, uma voz que jamais entonaria para a sociedade que estava o aguardando ansiosamente para uma missa especial, envolto de David em suas costas, pega um pedaço de corda encontrada em um baú antigo.
Com força brutal amarra tão forte os punhos do garoto pecador capaz de não lhe trazer nenhum movimento, a não ser dos dedos que se moviam passando bolinha por bolinha do terço em suas mãos, logo em seguida, o mesmo com os pés.
David estava sendo imobilizado. Os olhos de Padre Cícero eram de dó, David sentiu que ele o queria ajudar, mas não podia enfrentar as ordens do reverendo.
Vai passar... Foi essa mensagem que David conseguiu traduzir pela feição de seu ‘padre pai’. David passaria horas, ajoelhado naqueles grãos de milhos, com as mãos e os pés amarrados tão fortes que lhe fariam cicatrizes nos punhos e calcanhar. Mas, logo iria passar e ele poderia viver normal como a rotina lhe pregava.
- Vamos, Cícero. Temos muito que conversar na sala ao lado antes dessa missa especial na igreja matriz.
E antes dos dois saírem, Bispo lhe dá suas últimas ordens.
- Você vai ficar orando, na mesma posição que esta (ajoelhado nos milhos e com as mãos e os pés amarrados com cordas que lhe cortavam a carne) durante todo o tempo da missa. Não ouse se mover. Deus está vigiando e ele merece todos os seus pedidos de Perdão. Só poderá parar quando chegarmos... Entendido?
David balançou a cabeça afirmativamente dando a resposta que o Bispo queria.
- Que Deus tenha piedade de você. – Fala o Bispo apagando as luzes e se retirando da sala com a companhia do padre Cícero.
Assim, tudo escuro. A porta é fechada, os corredores como de costume já eram apagados e David estaria iluminado apenas com a pouca luz que a lareira ainda fazia. Ficaria sozinho, não só naquela sala como em todo o seminário, por longas e duras horas. Rezando, pedindo perdão ao todo poderoso.
David ao menos, sofrera menos do que um acusado de bruxaria em época de Inquisição. Não tinha o que resmungar. David era um pecador e teria que pagar pelos seus pecados na maneira imposta pelos seus superiores. E nada poderia ser tão interessante como o seu pedido de perdão, o seu foco nas orações...
Nada, a não ser o que ouviria minutos depois na sala ao lado.
 
 
Na sala ao lado, escura e vazia, acreditando que suas vozes não dariam ecos, capazes de David ouvir ao lado, o Bispo Francisco fazia junto com todos os padres da cidade – diretores do seminário – uma reunião extra. Ilusão para aqueles que acreditavam que eram assuntos ligados à religião.
- Eu queria comer o rim de cada um de vocês com as barbaridades que deixaram acontecer neste seminário! – Falava o bispo com uma voz tão nervosa, rangendo os dentes como um cão raivoso.
- É que, reverendo... – tenta um dos padres presentes com a voz mansa que logo é calado pela fúria de seu líder religioso.
- Sem explicações! – Grita ele, calando e estremecendo todos presentes.
Percebendo que estavam totalmente calados, continuou.
- Se não fosse por assuntos mais relevantes e a essa maldita missa que tenho que rezar daqui a pouco para essa comunidade otária, eu iria castigar um a um de vocês por ter permitido tamanha atrocidade de um pirralho daqueles possuir livros que ampliam a mente sobre questões tão perturbadoras para nós e nossa igreja!
Francisco que pretendia continuar a falar, com seus braços envoltos em suas costas rodeava a enorme mesa em que os padres estavam sentados, tremendo pelas próximas falas do reverendo.
- Coloquem uma coisa na cabeça de vocês: A sociedade não pode de jeito algum se apoderar de conhecimentos que os façam terem uma mente aberta! – Exclama friamente Bispo Francisco com sua testa franzida – Esses tipos de livros, noticiários só ameaçam, não só a minha, como a pele de todos vocês aqui!
Bispo com seu olhar pegando fogo, o fixa em Padre Cícero, e antes que o bispo pudesse continuar, Padre Cícero se apronta ao falar com a expectativa de acalmar a fera.
- Pode ficar tranquilo quanto ao caso de David, reverendo. Ele vai esquecer letra por letra do que estavam contidos naquelas revistas e livros.
- Assim espero... – Da o ponto final Bispo Francisco que vira as costas e se dirige para frente central da sala. - Agora, vamos esquecer-nos disto e vamos falar do que realmente nos interessa.
Um silêncio sepulcral percorreu o local. E logo Bispo Francisco continuou.
- A nossa indústria está em ameaça.
Todos se surpreenderam com as palavras do reverendo soltadas de maneira rápida.
Qual seria essa indústria? Pensou David que se encontrava a sala ao lado com a atenção focada na conversa séria que seus supremos discutiam. O assunto estava tão intrigante que suas dores físicas até chegaram a ser esquecidas.
                                               - Recebemos a informação de que uma mãe nordestina esta saindo de seu estado neste momento vindo em busca de seus filhos, vítimas de nosso tráfico.
                                               - Mas... Mas... Mas como? Ela já sabe que seus filhos foram levados para serem obrigados a se prostituir? – Fala um dos padres presentes, muito conhecido por ser todo atrapalhado. Padre Oliveira.
                                               - Claro que não! Acontece que essa maldita nordestina esta sob os cuidados de um jornalista, muito enxerido por sinal...
                                               - Um Jornalista!! – exclama um dos padres indignados.
                                               - Vocês sabem como é esse tipo de gente. Lutaram em plena ditadura militar, sofreram, muitos morreram, e não será desta vez que deixará de trazer informação para humanidade, ainda mais quando essa informação é de tamanho peso social.
                                               - Não podemos deixar isso acontecer!! Se não teremos que dizer adeus de nosso cargo!
                                               - As Últimas pessoas que iriam desconfiar são de padres e o adorado bispo Francisco. Eu. Mas, não podemos deslizar... Esses dois sairão hoje do Pernambuco e provavelmente seguem em direção a grande São Paulo. Se esse jornalista estiver bem informado logo se encaminhará para o Rio Grande do Sul, já que aqui é muito conhecido por ter traficados migrantes no Brasil.
                                               - Não podemos deixar isso acontecer! – Exclama Padre Oliveira que há essa altura já estava suando frio.
Padre Cícero perturbado com toda essa situação, levanta-se tentando no momento oportuno conciliar a todos há uma posição ética.
                                               - Caro irmãos, não seria melhor então, desfazer toda essa maldade que praticamos e...
                                               - Nem ouse continuar – Fala Bispo Francisco apontando seu dedo indicador ao rosto de Cícero – Você sabe muito bem todo o luxo que você e todos nós usufruímos graças a essa indústria que vem crescendo mais e mais!
                                               - Mas... – Tenta mais uma vez Cícero.
                                               - Mas nada, Padre Cícero! – Gesticula encarando nos olhos o único padre que discordava da indústria e tentava levar uma vida ética na castidade, em tom ameaçador – Preste bem atenção. Aquele seu segredinho obscuro pode vir a tona, só por um deslize seu, bem entendido?
                                               - Eu sei muito bem o que pode acontecer com minha imagem, bispo Francisco. – Fala Cícero com o olhar para baixo e temendo o reverendo.
                                               - Muito bem... Gosto de você assim... Todos nós estamos no mesmo barco, e se for necessário morreremos nele! NADA e nem NINGUÉM poderá derrubar a nossa força! – Bispo falava vangloriando a todos, como se a indústria que todos estivessem envolvidos fosse uma ONG que ajudasse a humanidade.
                                               - Não podemos deixar que uma mulher e um jornalista enxerido nos derrubem! – Fala um dos padres temendo o pior.
                                               - Isso não vai acontecer!! Só precisamos saber agora, quem é o jornalista, a mulher e os filhos dessa mulher traficados pela nossa indústria do sexo... Precisamos manter nosso poder em sigilo, para sempre!
Os olhos do Bispo Francisco ferviam, nunca em sua história algo tão desafiador teria acontecido, mas agora, toda sua estruturação poderia correr grande risco. Se um jornalista em plena época que viviam fizesse uma reportagem sobre essa Indústria de Tráfico de Sexo, ainda mais com crianças, e o pior: Os Responsáveis serem os respeitados líderes religiosos católicos, provavelmente a sociedade não perdoaria, a repercussão seria mundial e tudo que há de pior, esses sofreriam. Não, isso nunca vai acontecer! Somos O Poder! – Pensava piamente o bispo e os padres ali presentes.
 
Mais indignado do que qualquer um com essa história, era David. Como as pessoas que a sociedade depositava tanta confiança fossem responsáveis por tamanha crueldade? Não, não, será que ouvi errado? A Realidade havia encoberto todos seus olhos. A justificativa de tantas reuniões, de tantas crianças que apareceram naquele seminário e sumiram constantemente estava mais do que justificada.
Os padres e o Bispo daquela região eram responsáveis por tantos desaparecimentos de crianças, e ainda mais por as obrigarem a se prostituir e render lucro extra a eles.
Será que vão me obrigar a me prostituir quando atingir certa idade?
Estou correndo perigo!
Um turbilhão de pensamentos revoltantes percorreu o coração e a mente de David... E que mais lhe chamou atenção é que estava ali pagando por um pecado imposto por eles. ELES. Eles mesmo que cometiam pecados muito maiores e ainda por cima pregavam o bem e o perdão. Hipócritas!
E eu estou em castidade por ter lido apenas um livro. E eles? O Pecado deles é muito maior, meu Deus!!
Uma onda de revolta subiu pela cabeça de David.
Percebeu com ouvidos bem atentos o silêncio mortal por todos os cantos do seminário. Enfim sozinho. Porém preso.
David tenta se livrar das cordas bem apertadas que rasgavam a pele de suas mãos e pés, mas foi em vão. Deixou o terço que parou de rezar pela metade e tenta cortar a corda com os dentes. Mais uma tentativa que em nada lhe serviu, a não ser mais dor que ardia a carne. Pingos de sangue começam a escorrer por aquele lugar.
Ai meu Deus, o que eu faço?
E assim... Uma luz! David se recordou de quando era bem pequeno e pintava um desenho de colorir na mesa central dos quartos dos padres. Padre Cícero, que sempre o adorava estava ao seu lado conferindo passo a passo das cores que o pequeno David escolhia. Logo, um homem chegava com uma revista muito chamativa. Era vermelha por toda a capa com tons escuros e black’s. Talvez se não fosse pelo destaque que a revista causava, David não teria prestado tanto atenção. Ele era pequeno demais para entender, logo esqueceria... Mas, se recordou em um momento crucial como aquele.
As palavras que o outro padre soou para Cícero com as revistas em mãos era: “Essa publicidade dessa garota ficou show! Os velhotes da região vão cair em cima dessa mocinha...”.
O olhar de Cícero era piedoso, mas ao mesmo tempo triste por estar participando (obrigatoriamente) de toda aquela sujeirada. Mas, isso pouco importava. David deduziu com veemência que aquela revista divulgava garotas de programa da própria indústria do sexo responsabilizadas pelos padres, e provavelmente naquela sala, haveria alguma outra revista perdida.
Sem pensar duas vezes e tendo a ciência de que correria um grande perigo se o encontrasse fora da posição colocada de início, David com a boca e o pouco movimento que lhe restou das mãos, arrastou-se por toda sala revirando gavetas, armários e utensílios ali encontrados. Continuava a se arrastar. Na medida em que o chão era esfregado pelo seu corpo, mais sangue saia de suas mãos e pés, que assim iam deixando o piso da sala tintado.
O Baú!
O Baú onde situava a maldita corda que Francisco pegou para lhe causar dor. Só pode estar ali. Tem que estar ali! Era o último lugar que restava checar. Ao lado oposto da sala, David abriu o baú com bastante dificuldade com o apoio de sua boca. Eram muitas porcarias ali dentro. Até bíblia rasgada encontrou.
A poeira que ia de vento em popa em seu rosto o fez espirrar dezenas de vezes. Mas, David não pensou sequer uma vez em desistir... Tem que ter alguma aqui... Tem que ter!
E assim, como se surgisse uma luz no fim do túnel, uma revista. A capa era parecida como os de sua memória, e soube desde já que ali estaria sua salvação.
Com sua boca seca, salivando por água, sacou a revista e pôs ao chão com rapidez. Curvou-se, abriu o meio do monte de páginas com o nariz. A página que sair, saiu.
E assim, destaque no canto lateral direito da revista que falava de prevenção sexual, pesquisas do mundo de moda da sensualidade, e outros assuntos do gênero, estava um bonito rapaz com cabelos longos e negros, olhos verdes e um corpo muito bem definido.
Um garoto? – Estranhou David.
Era uma coisa rara de se ver: Garotos vendendo o corpo. Acreditava que a venda desse tipo de serviço eram apenas com meninas, pois homens que procuravam o comércio do sexo de mulheres por aquela região era imenso. Informação essa que David aprendeu lendo os noticiários das revistas de atualidade que obtinha até a hora em que o Bispo decidiu queimá-las na lareira em sua frente.
David observou mais uma vez o anúncio do rapaz identificado como Marlow. “Faço dos seus desejos, uma realização de puro prazer...” A Foto foi muito bem planejada e as letras davam um destaque chamativo. Mas, nada lhe chamou mais atenção do que aquilo... O que olhos do rapaz lhe passavam.
Aquele olhar lhe passou um pedido de Socorro. Um pedido de fuga daquela vida, uma restauração de toda uma existência de sofrimento.
David não entendia o porquê daquele tipo de sentimento e de interpretação com apenas um olhar. Mas, sentiu por dentro de que estava certo de sua convicção. Era ele. Esse era o garoto que poderia lhe salvar daquela situação.
Com muito sacrifício, agora sem preocupação de que as coisas saíssem do lugar, posicionou-se por trás da mesa de negócios da sala, puxou com a boca o fio do telefone fixo que havia no alto. Uma, duas, três, e finalmente David conseguiu derrubar.
Os segundos de demora se transformaram em horas de pura emoção e adrenalina. David por um momento pensou em estar naqueles filmes de ação, onde o mocinho, preso nas garras dos vilões procurava desesperadamente uma salvação. Quem sabe um dia escrevo essa história verídica? Alias, não é sempre que se encontra uma história tão horrenda como aquela. Religião envolvida com uma indústria suja.
Conquistando seu último esforço, com o pouco movimento que tinha dos dedos, discou o número do anúncio. Seu coração batia freneticamente.
Chamou, chamou e chamou.
No outro da linha, uma surpresa. Há essa hora? Pensou Marlow sozinho e desamparado em meio há tantos bagulhos espalhados por sua casa suja. Quem poderia me ligar em plena missa do homem mais adorado da região?
Chamou duas, três vezes, e a ansiedade de David era tamanha.
Atende, atende, atende, pelo amor de Deus... Você é a minha única salvação!
 
 
 
CONTINUA/
“O paraíso é um céu colorido com as chamas do inferno...
É bom se sentir livre e selvagem?
O paraíso é o jogo do faça ou morra! Então, eu só ando por aí, sem rumo...”
Angels Forever - Lana Del Rey.
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Alencar Tognon
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MensagemAssunto: Re: Pecado Divino || Capítulo 1 O Preço do Paraíso   Pecado Divino || Capítulo 1 O Preço do Paraíso Empty03.10.13 16:29

Pessoal, desculpem pelo capítulo ter saído extenso, Primeiro Capítulo já sabem como é.
Os próximos serão mais reduzidos e diretos.
Espero que gostem, abraços Wink

Alencar Tognon.
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Vinícios
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Vinícios


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MensagemAssunto: Re: Pecado Divino || Capítulo 1 O Preço do Paraíso   Pecado Divino || Capítulo 1 O Preço do Paraíso Empty04.10.13 22:34

Alencar, Parabéns!!! Excelente capítulo.

Como sempre, da gosto de ler o que vc escreve.

Abração e bem vindo de volta ao Portal.
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Alencar Tognon
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MensagemAssunto: Re: Pecado Divino || Capítulo 1 O Preço do Paraíso   Pecado Divino || Capítulo 1 O Preço do Paraíso Empty10.10.13 22:28

Muito obrigado Vinicios e à todos os leitores que tem elogiado o primeiro capítulo da Web.
E venho através deste comunicar que a continuação dessa história foi adiada devido à pedidos de alguns leitores
por causa da dificuldade da leitura, por tempo e por ser extensa. Resolvi atender, possibilitando mais tempo para compreender a trama e mais público venham até aqui.

Obrigado pela compreensão, e não percam na semana que vem o 2° capítulo de 'Pecado Divino'.
Abraços,
Alencar Tognon
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Basílio de Alcantara

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MensagemAssunto: Re: Pecado Divino || Capítulo 1 O Preço do Paraíso   Pecado Divino || Capítulo 1 O Preço do Paraíso Empty10.01.14 23:28

De repente, eu já estava ali, nos cenários, entre as personagens. Muito bem escrito, parabéns!
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MensagemAssunto: Re: Pecado Divino || Capítulo 1 O Preço do Paraíso   Pecado Divino || Capítulo 1 O Preço do Paraíso Empty

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