- Citação :
“Toda vez que você luta, as cicatrizes vão se curar, mas elas nunca vão desaparecer”.
Nunca me importei muito com o que as pessoas pensam de mim... Até porque posso pensar coisas bem piores a respeito delas. Se eu fosse parar para ouvir, me assustaria com a própria imagem do que me tornei. Mas eu nem sempre fui assim. Acontece que a vida te cobra reinventar diariamente, e numa dessas reinvenções, eu optei por me livrar da parte frágil de mim. Assim seria mais fácil fazer o que era preciso. Não conseguiria seguir em frente se não me livrasse do passado, e eu me livrei... Vinguei-me de cada um deles. Olho a olho, retribui o favor de maneiras bem específicas. Todos... Menos um. O único que escapou. Que sobreviveu... Mas não por muito tempo. Eu já sei onde ele está, e o farei sofrer de todas as formas possíveis... Atingi-lo onde mais dói. Já sei qual é o seu ponto fraco.
- Você tem certeza de que quer fazer isso?
Respirei fundo ao ouvir a pergunta pela trigésima vez, enquanto colocava as coisas na mala do carro.
- Tenho sim.
Ela suspirou, se esticando para puxar a porta da mala enquanto eu me dirigia à porta de motorista do pequeno porsche cayman preto.
- E, porque mesmo, eu não posso ir com você?
- Porque eu não quero que ninguém mais saiba. – baixei o freio de mão e girei a chave na ignição, pisando e retirando o pé lentamente da embreagem, dando partida após a Angélica ter entrado do lado do carona. – E lembre-se, se o Felipe perguntar por mim...
- Você teve um problema com um cliente e precisou viajar às pressas. – citou a frase que havíamos ensaiado e eu sorri – Eu já sei.
- Isso.
- Mas eu não quero deixar você ir encontrar esse cara sozinha, Catarina.
- Eu vou ficar bem, sério. Ele não vai encostar um dedo em mim. – fitei-a de lado – E depois, seria muita coincidência nós duas sairmos da cidade na mesma época.
Ela mordeu o lábio, pensando por um momento.
- O Felipe ia surtar.
- Pois é.
Ela passou a maior parte do caminho calada, até que eu parasse na frente do prédio deles. O porteiro começou a abrir o portão da entrada da garagem, mas uma rápida baixada do vidro, e um olhar de penitência, o fez entender que eu não iria entrar.
Às vezes eu era “dura” demais com as pessoas. Talvez não precisasse de tanta hostilidade, mas é a única maneira de passar o que se realmente quer, do contrário eles não entendem.
- Você vai me avisar qualquer coisa?
- Por Deus, Angel, eu não estou indo pra guerra.
- Eu sei, droga. Mas eu me preocupo com você. Da pra entender ou tá difícil?
Difícil.
- Tudo bem. Eu aviso.
Ela levou a mão à trava da porta, mas a parou ali por um momento e eu a fitei.
- Catarina...
- Hm?
- Toma cuidado, ta?
Sorri levemente, retirando os óculos escuros, apoiando-os na cabeça por entre os cabelos.
- Relaxa. Como eu disse, não é uma guerra... Apenas vou pra faculdade.
Ela revirou os olhos, mas não pode prender uma risada.
- Se cuida.
- Você também.
Observei enquanto ela entrava no prédio e esperei até que desaparecesse para poder sair dali. Sabia que ela não queria que eu fosse, mas não tinha opção.
Cansei de ver da Orla as pessoas felizes. Não acredito que elas possam ser realmente assim. Fizeram-me não acreditar.
Tomando como exemplo aquela foto de seu pai e a filha que acabara de ser reconhecida por um premio nobre. Ele até parecia um pai de verdade naquela maldita foto. Mas ninguém melhor que eu para saber que era apenas uma máscara.
As pessoas são falsas, invejosas e incapazes de admitir o que realmente sentem, incapazes de ser verdadeiras. Não sei por que o sorrisinho sarcástico nos lábios. Se for pra fingir, pelo menos deveriam aprender antes. Sinceramente, elas não me convencem.
De longe, eu as observo, posso ver cada reação escrita nos seus olhos. Vejo como são frágeis por baixo de cada embalagem rígida.
Com o tempo, aprendi a observar as pessoas, assim sou capaz de diferir cada sentimento, expressão, medo, angústia. Não deveriam me subestimar, ninguém sabe o que posso fazer – embora digam que sabem. Eu já passei da fase de anexins baratos.
Antes de tudo, deve-se aprender a se camuflar, a ficar invisível no meio das outras pessoas, a ser frio, a fingir, como eu aprendi. Então, quem sabe, algum dia poderá observá-las como eu faço agora, olhando nos seus olhos sem que elas saibam.