- Citação :
“Esta é a ultima segunda chance. Eu sou meio tão boa quanto posso. Estou em ambos os lados da cerca, sem um pingo de arrependimento”.
Queria ser uma “serial killer”. Sair à noite, como um fantasma, sem medos e sem limites. Queria matar os meus próprios medos, ser capaz de matar a morte. Queria viver eternamente pra poder ver até quando esse planeta de macacos vai existir. Quero rir quando já não existir a camada de ozônio e poder dizer que eu já sabia que isso aconteceria.
- Você apagou, heim?
Mexia calmamente a colher no café enquanto observava a minha pequena "bela adormecida" acordar de seu sono.
- Onde está o meu filho?
- Ah, não, não... Shh. – me aproximei calmamente dele enquanto forçava os músculos de seus braços contra as cordas apertadas – Não se esforce tanto, você não vai conseguir sair daí. Levou uma pancada forte na cabeça, deve se recuperar. Deixe-me cuidar de você.
- Vai à merda.
Apoiei a pequena xícara branca sobre uma de suas pernas bambas, levando uma das mãos ao seu rosto, segurando com certa força nas laterais de sua boca, pela bochecha, fazendo com que sua boca ficasse entreaberta. A minha intenção não era começar causando-lhe dor no maxilar, mas...
- Você não está em condições de negociar, então seja um garoto educado. – apertei um pouco mais enquanto fitava seus olhos – E pare de tremer, vai derramar e está quente. – ele respirou fundo quando soltei sua boca do aperto – Pode beber.
- Eu não quero beber nada.
Respirei fundo. Tem gente que não aprende quando parar de resistir.
- Eu não estou pedindo. – me aproximei novamente dele, segurando a xícara de café perto de sua boca – Beba.
Ele me fitou, levemente exasperado. Alguma coisa em minha expressão deve ter mostrado que eu não estava brincando. Sorri levemente quando ele obedeceu e virou a xícara na boca. Não o elogiei dessa vez, sua colaboração não duraria muito. Ele não sabia que eu sabia de seus problemas, e não demoraria a começar a reação. Nunca conheci um drogado que tivesse alergia a drogas, e seu olfato não era muito apurado... O pequeno pó branco dissolvido adoçou o café tanto quanto um açúcar normal dissolveria.
A parte boa do alvo ser seu vizinho é que você pode conhecê-lo bem. Mas eu tinha vantagens a mais... Minha mãe tinha um diário. É claro que ela comentava sobre os hábitos do "melhor amigo".
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Não, eu não era. Era apenas mais uma humana com sentimentos – escondidos – que só atrapalhavam. Respirei fundo, passando as mãos nos olhos ao me lembrar da cena. Não me sentia mal pelo que havia feito, ele mereceu. Cada parte. Meu único arrependimento era o de não ter sido bem sucedida.
- Você está ficando louca?
Ela respirou fundo, jogando novamente o pequeno casaco em cima da cama para que pudesse virar para mim, cruzando os braços.
- Eu avisei que se fosse ficar, seria para não me atrapalhar.
- E acha mesmo que eu ia deixar você sozinha? Com essas ideias na cabeça?
Respirei fundo, colocando mais algumas calças e camisas na mala preta deitada em cima da cama.
- Eu não posso deixar isso como está, Angélica.
- Catarina, ele pode denunciar você. – ela segurou o meu braço – Já pensou nisso?
Ri meio baixo, dobrando mais uma manga três quartos. Adorava blusas nesse estilo.
- Ele não vai. – fitei-a de lado – Não me denunciou até agora. Já faz seis anos.
- E o que impede?
- Se ele tivesse que denunciar, já teria denunciado, Angel. Ele está com medo.
- E por que ele teria medo?
Sorri levemente, colocando mais algumas roupas na mala.
- Pelo fato de ele não ter denunciado. E ter mudado de cidade. Mas... Chicago? – revirei os olhos – Não tinha nenhum lugar melhor do que Illinois?
- Achei que gostasse do frio.
- E gosto.
Abri novamente o armário, dando uma olhada nas roupas ainda penduradas.
- Então qual o problema? – ela uniu as sobrancelhas, se jogando na cama.
- O problema, guria... – fechei a porta de uma vez, desistindo das ultimas roupas – É que moramos na Flórida. Eu mal tenho roupas de frio.
Ela suspirou, passando a mão pelo amontoado de roupas guardadas na mala.
- Catarina, já faz seis anos... – virou um pouco o rosto para me olhar do lado – Não pode mudar sua vida por causa dele.
- Ele mudou a minha vida, Angélica. – fitei-a – Estou apenas dando um propósito a ela. Jogando com as minhas cartas.
- Mas isso foi há muito tempo. Passou, acabou. Ele nem sabe da sua existência, você vive bem aqui... Pelo amor de Deus, olha o tamanho da sua casa. Por que vai acabar com tudo isso por uma vingança idiota?
Trinquei os dentes, congelando o corpo apoiado perto do chão, enquanto olhava os pares de sapato.
- Idiota?
- Idiota sim, porque você não está pensando. Ele nem deve mais se lembrar de você.
- Ah, eu tenho certeza de que ele se lembra. – ri meio irônica, com certa malicia.
Ele não esqueceria tão cedo. Não enquanto houvesse cicatrizes que o fizessem lembrar.
- E se alguém descobrir? – suspirou – Esqueça isso, ele jamais virá procurá-la novamente. Viva sua vida em paz e deixe-o pra lá.
- Você sabe o que ele fez comigo? – me aproximei calmamente dela, os joelhos apoiados no chão e as mãos em seus joelhos, olhando o seu rosto – Sabe o que todos eles fizeram?
Ela me fitou por um momento. Observava apenas os meus olhos e por fim cedeu, desviando o olhar para o lado.
- Eu sei.
- Então deve saber que eu não vou conseguir viver em paz enquanto restar uma única sujeira. – levantei novamente, fechando a mala. – Não enquanto houver qualquer indicio desse passado.
Ela se levantou também, depois de um tempo, dando espaço pra que eu arrastasse a mala de cima da cama.
- Vai precisar de uns casacos. E calças. E gorros. E...
- Ok, já entendi. Roupa de frio. Urgente.
Tenho certeza de ter comprado mais do que precisaria, até porque não iria me demorar muito por lá. Também porque a Angélica estava do meu lado e ninguém amava mais do que ela o fato do meu cartão de credito ser ilimitado. Ela me fez ir a todas as lojas de quatro estações e até as próprias pra inverno. Devemos ter visitado uns dez shoppings. Mas era melhor sobrar do que faltar. Uma caçada sem caça não tem graça. Eu brincaria com ele antes de pegá-lo. Ele não conta com a minha presença. Usaria isso contra ele.
- Pode me dizer uma coisa?
- O que?
Ela parecia distraída, passando a língua pelas pequenas gotículas de baunilha que escorriam pela casquinha de sorvete.
Tem coisa melhor do que o sorvete da Mc Donald’s? Sim, eu estou ciente de todos aqueles documentários e pesquisas do perigo de gordura que os lanches de lá podem trazer, que pode fazer mal e todas essas coisas, mas não posso fazer nada. É bom. Eu não recuso nada que me agrade. Seja a coisa boa, ou ruim.
- Como vai fazer isso? Vai dar um sumiço nele, ou o que?
Olhei em volta, me certificando de que não havia ninguém ouvindo. Certas pessoas não tinham muita noção do tipo de coisa que não se deve falar em voz alta.
- Não. – sussurrei – Seria muito óbvio. Muito fácil.
- Como assim?
- Eu vou atingi-lo, onde mais dói e de todas as formas que puder, antes de chegar diretamente a ele.
- Catarina, por favor... – ela desistiu da língua e passou a colher pelo sorvete, levando à boca. – Fale a minha língua.
- Ele era casado quando moravam aqui. Mas o jornal apenas mencionou “pai e filho”, entretanto, se reparar no dedo anelar de sua mão esquerda, ainda tem o bronzeado de anel. O que significa que foi uma perda recente.
- E o que isso quer dizer?
Que ele só tem um ponto fraco. Sorri levemente, pegando mais um pouco da minha casquinha.
- Que eu vou pra faculdade.
